O Filósofo Mearleu Ponty certa vez disse que “Filosofia é reaprender ver o mundo” bom seria se todos experimentassem esse exercício a cada manhã, quem sabe a vida teria mais sentido e vislumbrasse o sabor do bem viver. Dizem que as crianças, os poetas, os filósofos enxergam o mundo de um modo diferente, pois são seres curiosos, se espantam com a realidade que vive, tira do banal o que parece ser banal, tem o olhar perplexo. Otto Lara Resende, escreveu uma crônica com o seguinte título: Vista Cansada , relata que é preciso olhar o mundo como se fosse a primeira vez se opondo a um outro escritor americano que achava que se devia olhar as coisas como se fosse pela última vez. Veja só o que aconteceu com esse escritor americano que Otto Lara toma como objeto de reflexão para que possamos reaprender ver o mundo como propunha Mearleu Ponty . O que será que acontece conosco que diante do mundo não nos espantamos mais? Com o tempo o nosso olhar se torna uma vista cansada? O que é ter uma vista cansada? Como reaprender ver o mundo?
VISTA CANSADA
Otto Lara Rezende
Acho que foi o Hemingway quem disse que olhava cada coisa á sua volta como se viesse pela última vez. Pela última ou pela primeira vez? Pela primeira vez foi o outro escrito quem disse. Essa idéia de olhar pela última vez tem alto de deprimente. Olhar de despedida, de quem não crê que a vida continua, não admira que o Hemingway tenha acabado como acabou. Fugiu enquanto pôde do desespero que o roia – e daquele tiro brutal.
Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe pergunta o que é o que você vê no caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê. Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo ponteiro. Dava-lhe bom- dia e ás vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.
Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a mínima idéia. Em 32 anos, nunca viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser também que ninguém desse por ausência. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente , coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.
Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de fato, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isto existe às pampas. Nossos olhos se gastam do dia-a-dia, opacos. É por ai que se instala no coração o monstro da indiferença.
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