TEMPEROS DA ALMA

Segundo Sartre, o poeta sente as palavras ou frases como coisas e não como sinais, a sua obra como um fim e não como meio, mas como uma arma em combate. Nietzsche , buscou na arte uma aprendizagem para Filosofia, mais ainda: uma experiência de vida em plenitude. Assim, por acreditar que há uma cumplicidade entre Arte e Filosofia que ambas são janelas através das quais podemos vislumbrar outras possibilidades para o pensar, analisar, comparar, conceituar e provocar mudança de atitude diante do que a vida tem de diferente .Além disso a Filosofia e a Arte provocam uma ação de desnudamento da ética e estética acordando palavras adormecidas, desencantando , encantando outras tantas palavras ditas e mal ditas. Mergulhada sobre a égide da minha própria existência como uma obra de arte em construção, da capacidade de ver no outro um outro de mim mesma e como alguém que usa da mística de encantar tornando mágico o existir lançando de outros olhares para Filosofar; compreender e viver melhor ! bem, essas foram as razões que me impulsionaram a criar esse espaço. Entre!! aqui é a nossa ágora. Traga o teu tempero: sal, alho, cravo,canela, cominho, mel, limão, gengibre ,colorau, cebola , camomila, gengibre, flores, cores, sabores , perfumes para Filosofar, Poetizar...Explicar o inexplicável, no explicável se perder para se achar,há em todos a loucura de cada um Ah! Vejo flores em você! Flor do Cerrado

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

TemPeRoS Da ALmA: AmiZaDe

Há muitas maneras  de chegar nesse mundo, de ver e sentir o que tem de mais belo nele. Mesmo que esse belo, seja algo tão minúsculo e ás vezes aparentemente banal. Rubem Alves, tem essa sensibilidade de provocar emoção com esse jeito tão especial de "ser" de estar no mundo e com o mundo, mergulhando nas profundezas da nossa existência, dando asas a nossa imaginação, criando raízes no nosso jeito de pensar, percorrendo as cortinas do filosofar. Subitamente, cá estamos nós a ouvir uma fábula de Rubem Alves: A pipa e a Flor. Uma surpreendente e linda fábula, que tem como tema o amor, a amizade.

                                                             A PipA e a FlOr

Fiquei triste vendo aquela pipa enroscada no galho da árvore.
Rasgada, ela girava que girava, ao vento, como se quisesse escapulir.
Mas não adiantava. Você já viu aqueles bichinhos de asas, quando eles
caem em teias de aranhas? Era daquele jeito… Tive dó. Pipa não foi
feita para acabar assim. Pipa foi feita para voar.
E é tão bom quando a gente as vê, lá no alto…
Eu sempre tive vontade de ser uma pipa.
Bem leve, sem levar nas costas nada que pese (o que é pesado puxa a
gente para baixo…) Papel de seda, taquara fina que enverga, mas não
quebra, linha forte, um pouquinho de cola e, pronto! Lá está a pipa,
pronta pra voar…
As cores e as formas (que são tantas!) a gente escolhe aquelas que
o coração está pedindo. Pipa pra ser boa, tem de se parecer com os nossos
desejos. (E eu penso que as pessoas também, para serem boas, têm de ter
uma pipa solta dentro delas…)
Não é preciso vento forte. Uma brisa mansinha deve chegar para
levá-las até lá em cima, perto das nuvens. É por isso que elas têm de
ser bem leves. O vento chega, as folhas das árvores tremem, e lá vão
elas subindo, pra dentro do vazio do céu…
Só que tem uma coisa gozada. Pipa, pra subir, tem de estar amarrada
na ponta de uma linha. E a outra ponta é uma mão que segura. É assim
que a pipa conversa; através da linha. A mão puxa a linha e sente a
linha firme, puxando pra cima, querendo ir. É a pipa dizendo: “Me deixa
ir um pouco mais…” Mas se a linha responde frouxa, é a pipa dizendo
que está sem companheiro, o vento foi embora, e ela quer voltar para
casa…
Quando eu era menino, eume lembro, havia um homem… Justo quando
as pipas estavam lá em cima, batizadas, carretilha sem mais linha para
dar, ele vinha e comprava as pipas dos meninos. Pagava o preço justo. Só
que o gosto dele era cortar a linha. Quem nunca brincou com elas vai
pensar que, com a linha cortada, vão subir cada vez mais alto, nas
costas do vento, sem nada que as segure. Mas não é assim. Quando a linha
arrebenta, começam a cair. E vão caindo sempre, cada vez mais longe,
tristes, abanando as cabeças…
Pois é, era uma vez uma pipa.
O menino que a fez estava alegre, e imaginou que a pipa também
estaria. Por isso fez nela uma cara risonha, colando tiras de papel de
seda vermelho: dois olhos, um nariz, uma boca…
Ô, pipa boa: levinha, travessa, subia alto…
Gostava de brincar com o perigo, vivia zombando dos fios e do

galhos das árvores.

“– Vocês não me pegam, vocês não me pegam…”
E, enquanto ria, sacodia o rabo em desafio.
Chegou até a rasgar o papel, num galho que foi mais rápido, mas o
menino consertou, colando um remendo da mesma cor.
Amigos, tinha aos montões. E os seus olhos iam agradando a todos
eles, sempre com aquela risada gostosa, contando casos…
Mas aconteceu num dia, ela estava começando a subir, correndo de
um lado para o outro no vento, olhou para baixo e viu, lá num quintal,
uma flor. Ela já havia visto muitas flores. Só que desta vez os seus
olhos e os olhos da flor se encontraram, e ela sentiu uma coisa
estranha. Não, não era a beleza da flor. Já vira outras, mais belas.
Eram os olhos…
Quem não entende pensa que todos os olhos são parecidos, só
diferentes na cor. Mas não é assim. Há olhos que agradam, acariciam a
gente como se fossem mãos. Outros dão medo, ameaçam, acusam, e quando a
gente se percebe encarados por eles, dá um arrepio ruim pelo corpo. Tem
também os olhos que colam, hipnotizam, enfeitiçam…
Ah! você não sabe o que é enfeitiçar.
Enfeitiçar é virar a gente pelo avesso: as coisas boas ficam
escondidas, não têm permissão para aparecer; e as coisas ruins comessam
a sair. Todo mundo é uma mistura de coisas boas e ruins, às vezes a
gente está sorrindo, às vezes está de cara feia. Mas o enfeitiçado fica

sempre uma coisa só…
Me lembro de uma princesinha enfeitiçada por uma bruxa má. Quando
abria a boca para falar, só saíam dela sapos, cobras e lagartos. Me
lembro também do lindo príncipe que virou um sapo, e a princesa que o
feitiço fez dormir por mais de cem anos. Pois é, o enfeitiçado não pode
mais fazer o que ele quer, fica esquecido de quem ele era…
A pipa ficou enfeitiçada. Não mais queria ser pipa. Só queria ser
uma coisa: fazer o que a florzinha quisesse. Ah! ela era tão
maravilhosa. Que felicidade se pudesse ficar de mãos dadas com ela, pelo

resto dos seus dias…
E assim, resolveu mudar de dono. Aproveitando-se de um vento forte,
deu um puxão repentino na linha, ela arrebentou, e a pipa foi cair,
devagarinho, ao lado da flor.
E deu a sua linha pra ela segurar.
Ela segurou forte.
Agora, sua linha nas mãos da flor, a pipa pensou que voar seria
muito mais gostoso. Lá de cima conversaria com ela, e ao voltar lhe
contaria histórias para que ela dormisse. E ela pediu:
“– Florzinha, me solta…” e a florzinha soltou.
A pipa subiu bem alto e seu coração bateu feliz. Quando se está lá
no alto é bom saber que há alguém esperando, lá embaixo.
Mas a flor, aqui de baixo, percebeu que estava ficando triste. Não,
não é que estivesse triste. Estava ficando com raiva. Que injustiça que
a pipa pudesse voar tão alto, e ela tivesse de ficar plantada no chão. E

teve inveja da pipa.
Tinha raiva ao ver a felicidade da pipa, longe dela…
Tinha raiva quando via as pipas lá em cima, tagarelando entre si.
Ela flor, sozinha, deixada de fora.
“– Se a pipa me amasse de verdade, não poderia estar feliz lá
em cima, longe de mim. Ficaria o tempo todo aqui comigo…”
E à inveja juntou-se o ciúme.
Inveja é ficar infeliz vendo as coisas bonitas e boas que os outros
têm, e nós não.
Ciúme é a dor que dá quando a gente imagina a felicidade do outro,
sem que a gente esteja com ele.
E a flor começou a ficar malvada.
Ficava imburrada quando a pipa chegava.
Exigia explicações de tudo.
E a pipa começou a ter medo de ficar feliz, pois sabia que isto
faria a flor sofrer.
E a flor foi, aos poucos, encurtando a linha.
A pipa não mais podia voar. Vivia, ali do baixinho, de sobre o
quintal (esta era toda a distância que a flor lhe permitia voar) as
outras pipas, lá em cima… e sua boca foi ficando triste. E percebeu
que já não gostava tanto da flor como no início…
Esta história não terminou.
Está acontecendo bem agora, em algum lugar…
E há três jeitos de escrever o seu fim.
Você é que vai escolher.
Primeiro: a pipa ficou tão triste que resolveu nunca mais voar.
– Não vou te incomodar com os meus risos, Flor, mas também não
vou te dar a alegria do meu sorriso…”
E assim ficou amarrada junto à flor, mas mais longe dela do que
nunca, porque o seu coração estava em sonhos de vôos e nos risos de
outros tempos.
Segundo: a flor, na verdade, era uma borboleta que uma bruxa má
havia enfeitiçado e condenado a ficar fincada no chão. O feitiço só se
quebraria no dia em que ela fosse capaz de dizer não à sua inveja e ao
seu ciúme, e se sentisse feliz com a felicidade dos outros. E aconteceu
que um dia, vendo a pipa voar ela se esqueceu de si mesma por um
instante e ficou feliz ao ver a felicidade da pipa. Quando isso
aconteceu, o feitiço se quebrou, e ela voou, agora como borboleta, para
o alto, e os dois, pipa e borboleta, puderam brincar juntos…
Terceiro: a pipa percebeu que havia mais alegria na liberdade de
antigamente que nos abraços da flor. Porque aqueles eram abraços que
amarravam. E assim, num dia de grande ventania, e se valendo de uma
distração da flor, arrebentou a linha e foi em busca de uma outra mão
que ficasse feliz vendo-a voar nas alturas…





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