As asas de papel de Manoel de Barros começa pelo chão e se prolonga pelas memórias inventadas, com tom e cor, sabor embevecido de raízes e asas. Lá me encontrei com o divino vindo feito um vento, tropeçando em mim como um furacão . Ah! é a saudade que bate, lembro-me de Cazuza ao rememorar sua infância: (...) eu hoje acordei pensando, pensando... no tempo que eu era criança e de um passado que me traz uma lembrança... Subitamente em meio aos delírios do pensar recordo de uma frase sobre saudade: “Saudade é um amor que fica” algo doce e amargo talvez pela sua invisibilidade e individualidade. Recorro ao livro de Manoel de Barros: Memórias Inventadas que traduz de forma suave, doce esse sentimento que ora nos tortura com tamanha incompletude do ser. É, contagiante ver esse encontro entre literatura e filosofia criando imagens, construindo conceitos, revendo a vida e nos fazendo deitar nas nuvens, pisar macio e beijar o tempo. Fique nu e entre nesse túnel.
SOBERANIA:
Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que tentara pegar na bunda do vento – mas o rabo do vento escorregava muito e eu não consegui pegar. Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos deram gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado e disse que eu tivera um vareio na imaginação. Mas que esses vareios acabariam com os estudos. E me mando estudar em livros. Eu vim. E logo ali alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio. E dei de estudar para frente. Aprendi a teoria das idéias e da razão pura. Especulei filósofos e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande saber. Achei que os eruditos nas suas altas abstrações que esqueciam das coisas simples da terra. Foi aí que encontrei Einstein ( ele mesmo o Albert Einstein). Que me ensinou esta frase: A IMAGINAÇÃO É MAIS IMPORTANTE DO QUE O SABER. Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu olho começou a ver de novo as pobres coisas do chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as próprias asas. E vi que o homem não tem soberania nem pra ser um bentevi.
Memórias Inventadas . As infâncias de Manoel de Barros.
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